Revelando a Fotografia Digital
Revelando a Fotografia Digital
Uma crença num “certo”, uma crença contemporânea em uma mentira digital.
Ivan de Almeida, abril de 2017
Ontem, ciscando os diretórios, dei de cara com esta foto de cima feita em Porto, Portugal, no início do ano passado, 2016. Passei, neste tempo, muitas vezes pelo diretório e nem prestei atenção nela, pois a fotografia me parecia por um lado estourada (o fundo do outro lado do Rio Tejo) e muito escura dentro do barco no qual passeamos.
Um ano sem ver a foto. Por quê? Ora, porque a fotografia digital é gerada por uma transformação convencional do resultado do sensor para a imagem reconhecível como fotográfica. Sempre segue uma rotina, geralmente a rotina determinada pelo fabricante da câmera. Click, pronto, o resultado “é este”.
Mas isso é uma inverdade brutal. Seria como dizer ser a fotografia em filme independe da revelação. Sim, embora principalmente em cromos isto seja muito fixado, a fotografia tem duas etapas e só a primeira é a verdadeira, a sensibilização do filme na câmera, todo o resto é sujeito a escolhas, mesmo quando a escolha é fixada. Nos cromos é fixada, e daí ser vista como verdade única.
Quando em Preto e Branco o filme não tem referencia fundamental nenhuma. Tudo no PB muda a foto; o tipo de revelação, a substância, a temperatura, até na revelação do filme ocorrem variações importantíssimas. Pouco contraste, muito contraste, por aí vai. O mesmo filme revelado por três pessoas diferentes com as mesmas substâncias sairá com três versões de negativos.
E não paramos aí… Ao ser feita a cópia em papel tudo mudará de novo, infinitas variações só relativas ao processo. E isso sem considerar a proposital variação em zonas específicas do negativo, obstruindo a exposição do papel por segundos aqui e ali. A fotografia em PB é incompatível com a noção de verdade pura, como erradamente se entende o cromo e, no nosso caso, como tolamente se acredita a transição entre o RAW e o TIFF ou JPEG. O fato é que a digital verdadeira é como o negativo, é muito, muito afastada da fotografia final em aparência.
Por isso podemos dizer que ao sair do Photoshop ou outro conversor o resultado não é A Verdade e sim é o resultado de uma revelação digital específica. Mesmo dentro do Photoshop podemos configurar esta revelação, curvas de tons, cores mais ou menos vivas, e por aí vai. Uso três conversores. O Photoshop faz de cara aquilo que o fabricante da câmera decidiu ser sua verdade. O RawTherapee cria uma verdade inicial dele, distinta da verdade Photoshop, e o meu preferido, o perfectRAW (este nome, de um delicioso conversor que já tem tempo, foi apropriado por uma empresa que vende um conversor raso).
Por isso, por inexistir a verdade, minha visão é ser a revelação dependente, isto sim, do ISO usado e da exposição da fotografia. Porque o ISO determina a qualidade, o ISO mais baixo é aquele de maior espectro de tons possíveis, o ISO mais alto é apenas uma fração dos resultados da sensibilização do sensor. Basicamente, o ISO mais alto é pegar a parte pior da exposição e multiplica-la, por isso é tão ruidosa.
Vamos entender que na digital a mentira monta na mentira. Tive uma Canon 300D, dita “ultrapassada”, tive uma Canon 20D, idem, e nenhuma dessas falsificava os ISOs altos. Falsificava? UAU, deixe-me explicar isto…
Usando o perfectRAW, que basicamente é um envelope para a rotina de conversão criada pelo mais importante criador disso, o Dave Coffin (aliás, o DCRAW com adaptações é a coisa usada por quase todos os conversores) vemos que aquilo que o Photoshop considera ISO 400 em uma câmera atual não é ISSO 400, é uma captura muito mais escura clareada pelo software de conversão. Todas as sensibilidades dos ISOs atuais são mentiras. É brutal a diferença de conversão verdadeira e a falsa “muito legal”.
Bem, o público mais normal prefere assim, mas é limitado em trabalhos possíveis. É, digamos, um usuário das rotinas de amplificação de sensibilidade sem saber que as usa, achando que ali é a verdade.
E com isso perde abordagens como a da foto mostrada. Deixe-me explicar…
Qual é a melhor exposição possível para esta foto? A resposta é: “Esta mesma mostrada embaixo deste parágrafo”. Opa, por quê? Bem, a resposta não é simples quando olhada com olhos da conversão “normal”, olhos que a confundem com “a verdade fotográfica”. Mas sim, é a melhor exposição possível para a cena. Vamos olhar como a câmera mostra a dita foto em JPEG. Vejam abaixo.
Olhando assim parece que estourou perdendo detalhes na parte mais clara, e igualmente perdeu detalhes na parte escura. Os prédios do fundo perderam. O rosto quase não se vê.
Porém usando o perfectRAW mudei os parâmetros e consegui que os prédios de fundo ganhassem cor, detalhes, etc. Ou seja, escureci a foto para salvar a parte mais clara. Salvei e mudei de nome depois de salva, para não salvar outra conversão por cima.
Em seguida mudei a “revelação”, desta vez elevando a luz para ganhar detalhes na parte de baixo, rosto, interior do barco, etc. Bem, isso feito tinha duas revelações da mesma fotografia, numa o fundo estava bom e a cena interna do barco muito preta, noutra a cena interna estava boa e o fundo horrivelmente estourado.
Vejam, do click o arquivo final contém os dois, mas as imagens com revelação única matam uma parte para mostrar a outra…
Assim feito, somei as cenas, eliminei da foto de cena interna boa, a janela, a tornando transparente para ver ali a outra revelação. Somando as duas passei a ter a cena completa, como se tivesse usado um filme de baixo contraste ou feito uma revelação de baixo contraste. O mesmo click, não o mesmo resultado final.
Não há nisso feito nenhuma falsidade, aquilo foi objeto de captura, e um pouco mais exposto mostraria imediatamente o interior e queimaria em branco o externo, e um pouco menos exposto o externo ficaria bom de início, mas a cena interna seria só um preto. Nenhuma das opções usaria a real extensão do arquivo RAW.
Bem, a fotografia digital tem lá sua lógica, e a maioria não conhece a lógica. Isto não é ruim nem deprecia os fotógrafos, pois a boa fotografia não cabe em regras desse tipo. Tenho um amigo que é dono de um restaurante simples e que fotografa com o celular (bom celular, aliás), e as fotos dele são ótimas, embora ignore até como lidar com velocidade e abertura. Mas mesmo nada sendo obrigatório, este assunto passou pela minha cabeça nesses dias, vi haver algum interesse quando explicava, daí este artigo.
Ivan, queria entender melhor o trecho em que você comenta “Todas as sensibilidades dos ISOs atuais são mentiras.” Não entendi se a mentira está na câmera ou na conversão…
Rodrigo Fernando Pereira
9 de abril de 2017 at 1:37 pm
Rodrigo, caso eu pegue uma foto ISO 100 e uma ISO 400 lá da antiga 300D, elas se converterão no perfectRAW coerentemente com o ISO, isto é, compensando, digamos, na velocidade, ficarão com resultados muito iguais. Porém, com o mesmo programa convertendo RAW da Canon 5DII ou da Panasonic LX7 isso não ocorrerá. A conversão do RAW em ISO 400 ficará ficará escura comparada com a ISO 100 e necessitará que eu clareie a foto. O que aconteceu neste tempo foi o conversor fazer sua parte na luminosidade resultante, diferentemente do início quando a coisa era “verdadeira”. Não que o RAW de 400 seja um 100 renomeado, mas não é também um 400 de verdade. Um dia desses mostro em imagens, OK?
Ivan de Almeida
9 de abril de 2017 at 2:06 pm
Bem interessante. Obrigado pela explicação.
Rodrigo Fernando Pereira
9 de abril de 2017 at 2:09 pm