Fotografia em Palavras

visões sobre a prática fotográfica, por Ivan de Almeida

Foram ao casamento com o mesmo vestido!

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Ivan de Almeida
abril de 2008

Duas mulheres foram a uma festa. Quando uma delas chegou, encontrou a outra usando o mesmo vestido. E o vestido era bonito, vistoso, não dava para disfarçar… todos repararam.

Uma copiou a outra?

Não. Só, por acaso, compraram na mesma loja do bairro onde moravam.

Um fotógrafo posta uma imagem em um site de fotografia. Outro posta uma foto quase idêntica. Variações derivadas de 1/3 de ponto de fotometria, talvez, pequenas diferenças de enquadramento, e um a fez com uma DSLR, outro com uma superzoom (isso aconteceu de verdade hoje). Um alega que a fez antes e o outro a teria visto no LCD da câmera, mas o Exif do outro informa horário 4 minutos antes…

No debate, inevitável, foi mencionado ambos terem feito o mesmo passeio fotográfico, e o enquadramento da foto em ambos os casos apenas descrevia o objeto. De frente, plano, chapado. Abordagem direta. Um copiou o outro?

Ou trata-se de um caso no qual ambos entregaram a responsabilidade de sua fotografia ao objeto fotogênico? Ou seja, compraram os mesmos vestidos porque a loja os fez iguais …

Uma fotógrafa, amiga, mostrou certa vez uma foto. No site em que mostrou, foi elogiada, e coisa e tal. Disse a ela que sua foto era demasiadamente dependente do objeto. O objeto interessante criava interesse para a foto. Ela reclamou de minha observação, mas cerca de uma semana depois veio me contar que outra fotógrafa, no mesmo passeio fotográfico realizara uma foto praticamente idêntica. Inicialmente aborreceu-se com a outra, mas depois compreendeu terem ambas sucumbido ao objeto, e, estando todo interesse concentrado nele, qualquer um faria a mesma foto.

São coisas que acontecem. E acontecem porque o fotógrafo entrega ao objeto interessante a sua fotografia. Muitos fotógrafos agem como caçadores de objetos interessantes, como se isso fosse fotografar, e as fotos resultantes dessa caçada pouco mais contém que próprio objeto. Quem fez a foto? O objeto? E no caso das duas mulheres, quem fez o vestido? O que temos nesses casos são fotografias com escassa construção fotográfica, temos “atos de registro”.

Porque parece haver na fotografia uma polaridade. Um dos pólos é o objeto, o referente. O outro o ato fotográfico. Nesses casos, temos um referente ativo em demasia, e um ato fotográfico apassivado. Muitas fotografias são assim. Não notamos nelas uma narrativa consistente, um ponto de vista, algo que só esteja na fotografia, não esteja no objeto. O que há nessas fotografias é o mesmo que havia lá fora da câmera escura.

Um fato pode ser contado de muitas maneiras, e todos conhecemos bons contadores de casos. O mesmo caso pode ser maçante ou interessante, dependendo de quem conta. Assim também na fotografia. É na narrativa que a fotografia ganha autonomia e torna-se diferente de uma pura reprodução de algo.

Written by Ivan de Almeida

30 de abril de 2009 às 7:01 pm

2 Respostas

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  1. Ivan, reli este seu texto no blog F/508. Fez muito mais sentido agora do que quando o li pela primeira vez. Mas não podemos fugir que alguns objetos (referentes) serão sempre muito fortes marcando a imagem. Agora me ajude, por onde vou para construir uma narrativa na fotografia?

    Zé Roberto

    28 de agosto de 2009 at 2:51 pm

    • José Roberto;

      Obrigado. É engraçado porque ao receber a mensagem do Humberto avisando-me da publicação no f/508 -o que muito me honra- fui lá ler, e ao lermos um texto nosso que já esquecemos ele nos soa diferente. Cada leitura nos mostra algo.

      Serei obrigado a devolver outras perguntas à sua pergunta.

      Você, olhando fotos na rede e em cópias ou revistas, nota algumas serem mais narrativa e outras mais objeto? Caso note, em que umas distinguem-se das outras?

      A questão aí, que pode ocultar a narrativa, é que muitas fotos possuem uma narrativa que extra-revelam o objeto. Assim são as fotos publicitárias, por exemplo. Observe uma caneta em um anúnico de caneta. Ali não está apenas uma caneta, mas “a caneta perfeita”, sem jaça, imaculada. Hiper-apresentada. Embora a narrativa seja, nesse caso, feita para louvar o objeto -referente-, não se pode dizer que ela apenas apresenta o referente. Ela apresenta o referente revestido de uma perfeição do desejo, do imaginário, do ideal, e isso é feito através de um arranjo de fundo, luz, ângulo, nitidez, cores, etc. Esses elementos não são do objeto, são as escolhas da narrativa publicitária.

      Falei acima, para simplificar, da publicidade, mas vamos às fotos variadas. Observe a foto que ilustra este artigo. Ela possui um referente interessante, mas não é apenas o referente, há uma idéia que emana da foto, de uma espécie de transe da pessoa, de uma solidão em transe/em trânsito. Neste caso, esta narrativa, esta intenção narrativa já foi determinante para o tipo de captura, mesmo havendo certa imponderabilidade nesse tipo de captura. Digamos que era sabido o tipo de peixe que se queria pegar na pesca, e os meios e o desenvolvimento da foto (tratamento) enfatizaram aquilo que é narrado.

      O último artigo deste blog fala mais sobre a narrativa (aliás, o blog quase só fala disso -risos). Dê uma olhadonha aqui.

      Grande abraço,
      Ivan

      Ivan de Almeida

      28 de agosto de 2009 at 3:47 pm


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